quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Romance da lua, lua



A lua veio à forja

com sua anquinha de nardos.

O menino a olha, olha.

O menino está olhando-a.


Lá no espaço comovido

a lua move seus braços

e exibe, lúbrica e pura,

seus seios de duro estanho.


– Foge lua, lua, lua.

Se chegassem os gitanos,

com teu coração fariam

anéis brancos e colares.


– Menino, deixa que dance.

Quando os gitanos chegarem,

te acharão sobre a bigorna

com os olhinhos fechados.


– Foge lua, lua, lua,

que já ouço seus cavalos.

– Menino, deixa-me, não pises

minha brancura engomada.


O ginete se acercava

tocando o tambor do chão.

Dentro da forja o menino

tem os olhos fechados.


Vinham pelo oliveiral

os gitanos, bronze e sonho.

As cabeças levantadas

e os olhos semicerrados.


Como canta ali o bufo,

ai, como canta na árvore.

Pelo céu a lua segue

de mãos dadas com um menino.


Lá dentro da forja choram,

dando gritos, os gitanos.

O ar a vela, vela.

O ar a está velando.


Federico Garcia Lorca

domingo, 12 de setembro de 2021

Não há nada de novo debaixo do sol - 2

 A pandemia,

Antes tão desgraçadamente cruel,

Que colocou-nos trancados em casa 

E dentro de nós mesmos,

Está pelo fim.

Não mais terei minhas tardes de devaneios,

Minhas madrugadas (a melhor hora) de criação. 

Terei que voltar ao chato mundo real. Mundo esse, cheio de obrigações, compromissos e gente intragável.

Não mais poderei escolher minhas companhias de acordo com afinidades. O mundo do trabalho, o mundo adulto, o mundo sério, me faz ter que conviver. 

Conviver com a insuportável gente "madura e responsável".

Terei que voltar a fingir ser uma "normal".

Não mais poderei me deleitar com uma tarde vazia e uma rede.

Parece-me que Delírio aceitou não encontrar seu irmão Destruição. Deixou a busca em segundo plano. 

Tudo volta ao normal, então. 

Mas Delírio continua comigo, pois o tempo voa e, mais que isso, o tempo quebra.

Tempus frangit






sábado, 11 de setembro de 2021

Homeopatia cotidiana n° 11

 Desligou o telefone e sentou no sofá.

 Era Rubens. 

Chamou-a de Calíope, como nos velhos tempos. Estaria precisando de inspiração, o velho Rubens?

Ah, que saudade... Guardava na memória todos os bons momentos. Todos os encontros mágicos. O dia em que sentaram à escadaria da pracinha, tomaram vinho... Quanta emoção houve naquele dia. Todos os dias de café com chocolate branco, que ela amava... Ainda ama! O encontro à beira do lago, lago tão significativo para os dois. Como era bom relembrar todos os encontros fortuitos e os combinados. Esses últimos, ganhando lugar dos por acaso quando a paixão ficou mais avassaladora. Depois veio o tempo e, com ele, as obrigações cotidianas. Se afastaram. Os encontros, agora, se resumiam a reuniões de trabalho, sempre uma cobrança por outro texto e mais outro... Uma publicação atrás da outra, já que era assim que ganhavam (ou perdiam) a vida.

Quanto tempo o tempo tem? Perguntou-se a musa. Quanto tempo a memória conseguirá guardar tantas boas lembranças antes de nublar-se, roubando de si mesma momentos mágicos vividos ou sonhados... 

Bem, voltou ao cotidiano, às tarefas corriqueiras... precisava voltar à edição de um texto para a revista. Rubens foi ficando, assim, como uma tela em segundo plano, como uma marca d'água quase imperceptível. Mas ainda estava lá.