sábado, 27 de abril de 2024

Há de haver algum sentido

 Após triste e pesado tempo de hibernação...

O urso, o jabuti ou qualquer outra espécie volta à vida. 

Eu apenas abri o olho. Me movimento, trabalho e volto à casa. Durmo e acordo.

Ensino. Tento. Juro que. 

Procuro ver graça nas coisas. Às vezes até vejo. Esboço um sorriso.  

Visito os pais. Higienizo a casa. Cozinho para a filha ainda adolescente (que cresça rápido, por favor). 

Deito e tento dormir. O zumbido dentro da cabeça é constante. Um enxame de abelhas não me abandona há tempos. Nada há para polinizar.  Elas insistem. 

Qual é o sentido disso tudo? Espero que haja algum. Quero crer que há. Não é justo qie não haja. 


segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Caneca de canhoto


 Um café

Um café de coador

Um café de coador, duplo

Um café de coador, duplo, sem chocolate de qualquer cor

Um café de coador, duplo, sem chocolate de qualquer cor, acompanhado de água

Água com gás.


domingo, 10 de dezembro de 2023

Arrivederci

 Te vejo em setembro,

Quando os cachos amarelos

Das sibipirunas

E as flores dos ipês

(que somem sem despedida, como nós) colorem o chão. 

Te vejo em setembro,

Quando os insetos

Estão prontos e aptos (diferente de mim) para acasalar. 

(Quando as cigarras cantam, os besouros voam, as aleluia tilintam  nos vidros  das lâmpadas  de luzes sintéticas).

Te vejo em setembro,

Quando o ar seco venta e levanta a terra poeirenta que, como os pés rachados das mulheres cansadas (como eu), clamam por água. 

Te vejo em setembro, 

Quando a chuva quase vem. Ameaça. Sente de vir. Mas não aparece . Ou quando vem, é no final, quando já perdemos as esperanças. (Como nosso café).  

Te vejo em setembro,

Da janela do meu quarto. Do meu quarto do hospício. Do meu quarto,numa madrugada, quase ao raiar do dia. Imaginando a cidade, a cidade dos meus amores (o sonho é meu e eu sonho que...)

Te vejo em setembro, 

No terraço do café 

Onde deixei vários cafés pagos pra ti. 

Te vejo em setembro,

Quando a metade já se foi, 

Quando o fim se aproxima,

Quando a cabeça já branqueia,

Quando a memória se perde

E dança uma valsa 

Com a imaginação. 





quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Do dia dos mortos

 Penso que são felizes.

Não precisam mais aturar o mundo.

Penso também, muitas vezes, em morrer. 

Pra passar minha vontade de matar 

Tanta gente que merece. 

terça-feira, 29 de agosto de 2023

Da natureza da gata

... Mas é duro ficar na tua, quando à luz da lua, tantos gatos pela rua...


sábado, 29 de julho de 2023

Homeopatia cotidiana n° 15

 Desgraçado.

Era isso o que pensava sobre Rubens.  Um filho da puta de marca maior.

Não se dava ao trabalho de atender suas chamadas (agora que tinha um celular e podia saber quem estava chamando antes de atender). Não respondia suas mensagens. Nem se quer as lia. 

O que foi exatamente que ela fez que o deixou assim? Indiferente, insensível, desinteressado...

Eles eram insuperáveis, jovens, lindos e invejáveis juntos! Onde foi que se perderam? Ele era pra ela um deus, um astro, um modelo a seguir! Ela era tão apaixonada... Tinha certeza que algo iria acontecer e o destino os faria um casal. Não foi o que aconteceu. Cada um foi cuidar de sua vida. Mas ela jamais, jamais o esqueceu. Se contentaria agora em manter uma amizade, trocar ideias sobre a vida, uns cafés juntos apenas. Mas nem isso ele queria...


Filho da puta.

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

A FLAUTA-VÉRTEBRA

 

A todas vocês,

que eu amei e que eu amo,

ícones guardados num coração-caverna,

como quem num banquete ergue a taça e

                                         [ celebra,

repleto de versos levanto meu crânio.


Penso, mais de uma vez:

seria melhor talvez

pôr-me o ponto final de um balaço.

Em todo caso

eu

hoje vou dar meu concerto de adeus.


Memória!

Convoca aos salões do cérebro

um renque inumerável de amadas.

Verte o riso de pupila em pupila,

veste a noite de núpcias passadas.

De corpo a corpo verta a alegria.

esta noite ficará na História.

Hoje executarei meus versos

na flauta de minhas próprias vértebras.


Vladimir Maiakovski