terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Homeopatia cotidiana n° 7

 - O que você quer comigo? - esbraveja Rubens ao atender o telefone que havia tocado inúmeras vezes durante os dois ou três dias que resolveu sumir do mapa. Sumir dentro de si mesmo, pois continuava dentro do apartamento cuidando de suas duas gatas. 

- Quero saber se está bem, sumiu, não deu notícias. Além do que, me deixou em maus lençóis com o pessoal da revista online. Não manda nada faz 4 semanas. 

-Não vou mais mandar. 

- Como assim? Temos um contrato! E você me deve essa! 

-Vá pro inferno, Selene. Não te devo nada.  Vá você e o pessoal da revista também. Revista online é uma piada! 

-Eu devia saber, aliás, eu sempre soube. Você é um grosseiro, um velhote que vai acabar os dias sozinho catando cocô de gato! - desliga o telefone celular emputecida. Chora de raiva. Como pôde gastar tempo e sentimento com um cara patife como esse!?

"Mulherzinha intragável", pensa Rubens dando meia volta até o sofá, de cuecas frouxas, cabelo e barba por fazer... "Velhote", o que ela quis insinuar? Uma piada. Ela e todo o resto desse pessoal do "online". 

"Velhote "

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"Velhote"... 

Adormece.


domingo, 17 de janeiro de 2021

Homeopatia cotidiana n°6

 - Poxa vida, Rubens! Qual é seu problema? - Selene deixa o quinto recado na velha secretária eletrônica. Desliga o telefone com raiva. Fica  pensativa... E se Rubens tivesse morrido? Se moribundo, precisando de auxílio? Nunca reclamava, mas ela sabia que a idade estava pesando sobre seu corpo. Das últimas vezes, não havia conseguido a antiga performance.  Nem ela, que fique registrado. Fazia tempo (que Rubens) não mandava algo inédito pra publicação. Depois que parou-se de circular os impressos, deu uma desanimada. Andava a dizer sobre os anos passados, lamentava o presente. Não a convidava com tanta frequência, a subir ao apartamento. Andava a beber demais  (ela sabia) e a comer de menos (presumia). Janelas não se abriam ao sol, girassóis ressequidos, algodão mofado. Ela passava ao menos uma vez ao dia para conferir. Não, não deve estar morto. Não é do feitio de Rubens morrer assim, sem anunciação. Ademais, cheiraria mal e a vizinha, cuidadora do alheio, logo daria a notícia (tinha deixado o telefone, para caso de alguma emergência). Mas que droga, Rubens! É bom você ter morrido, ou eu mesma lhe mato!

Divagando sobre a possibilidade de morte de seu melhor (e  único) cronista, adormeceu. Sonhou com um curinga a lhe dar bebida de cor púrpura. 

O sonho, sempre sonhado só... Onde andaria Rubens?