domingo, 29 de junho de 2025

Não quero ser triste como o poeta que envelhece lendo Maiakovski

 Talvez,

quem sabe,
um dia,
por uma alameda,
ela

que amava os animais –
também entrará no zoológico,
sorrindo,
assim
como está lá na foto sobre a mesa
.
Ela é bonita –
na certa vão ressuscitá-la.
O século trinta
superará o bando
de bagatelas que dilaceram o coração.
Nosso amor incompleto
preencheremos
nas noites inumeráveis com a estrelidão
.
Ressuscite-me
nem que seja
porque
sou poeta
e te esperava,
recusando o absurdo usual.
Ressuscite-me
que seja só por isto!
Ressuscite-me –
quero viver a vida até o final!
Para que o amor não seja escravo
de casamento,
luxúria,
pão,
Maldizendo as camas,
afastando-se do fogão,
para que o universo se revista de amor.
Para que no dia,
em que envelhecer de dor,
não suplique como mendigo.
Para que
ao primeiro grito:
- Camarada! –
a terra atenda num giro.
Para não
viver pelos buracos da morada.
Para que
a família
seja,
após essa era que se encerra,
o pai,
no mínimo o mundo,
a mãe, - no mínimo a terra.

Vladmir Maiakovski 

sábado, 16 de novembro de 2024

Homeopatia cotidiana n° 16

 Ah... como estava brava por todas as negativas daquele filho da puta. Às vezes apenas o silêncio, sem resposta alguma. 

Por que ainda insistia? Essa pergunta martelava o prego imaginário que queria lobotomizá-la há tempos e ela não permitia. Queria manter a vontade de encontrá-lo, ainda sentia o respirar dele em seu pescoço quando viu a tatuagem que o eternizou em sua espádua. Colou sua imagem de gato de rua em sua pele. Quem faz isso pelo outro? Os apaixonados. Continuava assim porque ele se recusou a destruir esse sentimento. Negando à ela o convívio, deixando-o apenas para o reino de Morpheus, não possibilitou que o cotidiano destruísse a ligação que tinha com ele. "Isso é maquiavélico", pensou. Mas ainda assim era o que restava. E ela não queria perder isso, poucas das coisas que lhe restava da juventude feliz e despreocupada. 

Ainda tinha esperanças de revisitar aquele tempo e trazê-lo para o presente. Seria o seu presente. 

terça-feira, 18 de junho de 2024

Alô

 Ele ligou.

Depois de muito tempo, ligou. 

Apenas "alô". Que saudade. 

Desligou. 

Não atendeu mais.

Valeu o dia. 

Valeu a vida. 

Mas um café,

Valeria a eternidade.

sábado, 27 de abril de 2024

Há de haver algum sentido

 Após triste e pesado tempo de hibernação...

O urso, o jabuti ou qualquer outra espécie volta à vida. 

Eu apenas abri o olho. Me movimento, trabalho e volto à casa. Durmo e acordo.

Ensino. Tento. Juro que. 

Procuro ver graça nas coisas. Às vezes até vejo. Esboço um sorriso.  

Visito os pais. Higienizo a casa. Cozinho para a filha ainda adolescente (que cresça rápido, por favor). 

Deito e tento dormir. O zumbido dentro da cabeça é constante. Um enxame de abelhas não me abandona há tempos. Nada há para polinizar.  Elas insistem. 

Qual é o sentido disso tudo? Espero que haja algum. Quero crer que há. Não é justo qie não haja. 


segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Caneca de canhoto


 Um café

Um café de coador

Um café de coador, duplo

Um café de coador, duplo, sem chocolate de qualquer cor

Um café de coador, duplo, sem chocolate de qualquer cor, acompanhado de água

Água com gás.


domingo, 10 de dezembro de 2023

Arrivederci

 Te vejo em setembro,

Quando os cachos amarelos

Das sibipirunas

E as flores dos ipês

(que somem sem despedida, como nós) colorem o chão. 

Te vejo em setembro,

Quando os insetos

Estão prontos e aptos (diferente de mim) para acasalar. 

(Quando as cigarras cantam, os besouros voam, as aleluia tilintam  nos vidros  das lâmpadas  de luzes sintéticas).

Te vejo em setembro,

Quando o ar seco venta e levanta a terra poeirenta que, como os pés rachados das mulheres cansadas (como eu), clamam por água. 

Te vejo em setembro, 

Quando a chuva quase vem. Ameaça. Sente de vir. Mas não aparece . Ou quando vem, é no final, quando já perdemos as esperanças. (Como nosso café).  

Te vejo em setembro,

Da janela do meu quarto. Do meu quarto do hospício. Do meu quarto,numa madrugada, quase ao raiar do dia. Imaginando a cidade, a cidade dos meus amores (o sonho é meu e eu sonho que...)

Te vejo em setembro, 

No terraço do café 

Onde deixei vários cafés pagos pra ti. 

Te vejo em setembro,

Quando a metade já se foi, 

Quando o fim se aproxima,

Quando a cabeça já branqueia,

Quando a memória se perde

E dança uma valsa 

Com a imaginação. 





quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Do dia dos mortos

 Penso que são felizes.

Não precisam mais aturar o mundo.

Penso também, muitas vezes, em morrer. 

Pra passar minha vontade de matar 

Tanta gente que merece.